Tratado de Tordesilhas faz 528 anos: entenda a relação com as fortalezas
O Tratado de Tordesilhas, que dividiu o controle de territórios pelo mundo entre portugueses e espanhóis, completa, neste dia 7 de junho de 2022, 528 anos de sua assinatura. O acordo foi uma tentativa de apaziguar disputas pela posse de terras entre as duas nações, então potências mundiais. O descobrimento da América, em 1492, tornou ainda mais urgente a necessidade de um entendimento entre Portugal e Espanha sobre as terras além-mar, mesmo aquelas que ainda faltavam descobrir. Com o passar dos séculos, os limites criados no papel foram desrespeitados e entraram no palco das disputas na América os canhões e as fortalezas.
O Tratado de Tordesilhas foi assinado entre Portugal e Espanha em 7 de junho de 1494. Recebeu este nome pois os diplomatas que discutiram os termos do documento se reuniram na cidade de Tordesilhas, na região de Castela e Leão. As duas nações já tinham produzidos acordos outras vezes e, portanto, não chegava a ser uma grande novidade sentar e discutir.
Dessa vez, o tratado definiu uma linha imaginária que ficava a cerca de 1.780 quilômetros (ou 370 léguas) a oeste das ilhas de Cabo Verde [1]. Esse limite, chamado de Meridiano de Tordesilhas, era uma referência: a oeste dele, as terras pertenceriam a Espanha; a leste, seriam de Portugal. Nenhuma das duas nações sabia ao certo, naquele momento, quanto de “terra” isso envolvia. Hoje existe até um marco em Laguna, cidade da região sul de Santa Catarina, por onde passava o meridiano.
Depois do descobrimento do Brasil, os portugueses começaram a tomar posse das terras que lhes cabiam no papel. Porém, demoraram muito a ocupar efetivamente o sul da América. Quando se deram conta que os espanhóis exploravam riquezas nas suas colônias mais a oeste, transportando tudo pelo Rio da Prata (estuário que divide hoje o Uruguai e a Argentina), decidiram agir. Em 1680, os portugueses fundaram a Colônia de Sacramento – no lado do estuário que hoje pertence ao Uruguai.
Na América do Sul o meridiano de Tordesilhas durante dois séculos e meio separou juridicamente as colónias (sic) de Espanha da de Portugal. Os bandeirantes, isto é, os aventureiros, os exploradores e os conquistadores do sertão, desrespeitando a linha dos tratados dinásticos, crearam (sic) com suas esperanças, seus sofrimentos e indomável coragem, o grande e rico império colonial português.
José Carlos de Macedo Soares,
jurista, historiador e político em seu livro
Fronteiras do Brasil no Regime Colonial, de 1939,
disponível em fortalezas.org
Ainda em 1680, os espanhóis começaram uma guerra contra Sacramento, que chegaram a apelidar de “covil dos contrabandistas” [2]. Era indiscutível, neste momento, que Portugal não estava respeitando o Tratado de Tordesilhas. A diplomacia lusa tinha um entendimento que a colônia portuguesa na América deveria ter “como limites, ao norte, a foz do Amazonas e, ao sul, a foz do Prata” [2].
As agressões entre portugueses e espanhóis aumentaram ano após ano. A luta pelo sul da América começou a se complicar. Embora as duas nações tivessem celebrado diferentes acordos e, vez por outra, ainda sentassem na mesa de negociação, a diplomacia deu lugar aos canhões e às fortalezas. Manter um território era construir sobre aquelas terras e defendê-las.
Foi nesse contexto que surgiram muitas fortificações portuguesas no sul da América, incluindo todo um sistema defensivo para proteger a Ilha de Santa Catarina. Embora a guerra não tivesse chegado a essa região, Portugal queria manter o domínio sobre a ilha e o porto natural que eram suas baías. Era uma retaguarda estratégica para as disputas no Prata.
Em 1738, surgiu a Capitania da Ilha de Santa Catarina, subordinada ao Rio de Janeiro. O Brigadeiro José da Silva Paes, primeiro governador da capitania, foi também o engenheiro responsável por fortificar a ilha. Foi assim que se construíram, inicialmente, quatro fortalezas na região: Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim (1739); Fortaleza de São José da Ponta Grossa (1740); Fortaleza de Santo Antônio de Ratones (1740), essas ao norte, e Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba (1742), ao sul.
Em 1777, os espanhóis tomaram a Ilha de Santa Catarina com a maior esquadra que já cruzou o atlântico. Saíram da Espanha com 121 embarcações e mais de 11 mil homens [2]. Os portugueses abandonaram seus postos diante da imponência da esquadra espanhola e deixaram que invadissem a ilha. Portugal propôs então um novo acordo, um bem diferente do Tratado de Tordesilhas.
Através do Tratado de Santo Idelfonso, assinado ainda em 1777, a Espanha devolveu a Ilha de Santa Catarina aos portugueses. Esses, porém, concordaram em entregar de vez a Colônia de Sacramento, aquela mesma bem para lá do Meridiano de Tordesilhas, em definitivo para os espanhóis.
Demorou um pouco ainda, mas a bandeira espanhola baixou das fortalezas da Ilha de Santa Catarina em 1778. A bandeira portuguesa voltou às fortificações, essas mesmas que estão aí ainda hoje como testemunhas concretas dessa história.
Para saber mais:
Material de acesso livre no Banco de Dados Internacional Sobre Fortificações – plataforma fortalezas.org
- Fronteiras do Brasil no Regime Colonial, por José Carlos de Macedo Soares
- Fortificações da Ilha de Santa Catarina, por Roberto Tonera
- A manutenção do território na América Portuguesa frente à invasão espanhola da Ilha de Santa Catarina em 1777, por Jeferson Mendes
- Campañas de Cevallos y fortificaciones, 1762-1777, por Juan Carlos Luzuriaga
Fontes
[1] Dados do livro Fronteiras do Brasil no Regime Colonial, por José Carlos de Macedo Soares
[2] Conforme o livro Os espanhóis conquistam a Ilha de Santa Catarina: 1777, da professora Maria Bernardete Ramos Flores, da Editora da UFSC.