Oito contra um no mar: o dia em que os espanhóis tomaram a Ilha de Santa Catarina faz 245 anos

23/02/2022 07:40

Com uma força desproporcional em relação aos defensores, a Espanha tomou a Ilha de Santa Catarina há 245 anos. A ofensiva final começou com o desembarque na Praia de Canasvieiras, no dia 23 de fevereiro de 1777. Ao chegar à região, território português guarnecido por fortalezas, os espanhóis tinham em sua esquadra oito embarcações para cada uma da pequena frota lusa que poderia oferecer alguma resistência. Não houve confronto algum. Os portugueses abandonaram seus postos, no mar e na terra, deixando o caminho livre para os espanhóis declararem a ilha posse do rei da Espanha sem disparar um tiro.

O contingente espanhol ficou conhecido como a maior esquadra que já cruzou o Atlântico [1]. Quando partiu do Porto de Cádiz, na Espanha, no dia 13 de novembro de 1776, a força espanhola somava centenas de embarcações de guerra – alguns autores listam ao todo 121, outros falam em 117 ou 115 [2]. Somados os canhões dos navios, eram 920 bocas-de-fogo [3] – praticamente o dobro do que dispunham os portugueses em suas naus no Brasil.

Para defender a Ilha de Santa Catarina pelas águas, Portugal esperava contar com a ajuda do aliado inglês Almirante Robert MacDouall. Ele tinha sob seu comando 12 naus, que somavam 462 canhões [4]. Era tudo o que dispunham os lusos para o combate marítimo. Mas MacDouall nunca enfrentou os espanhóis. Evitando o confronto, se refugiou na região onde hoje é Porto Belo e, depois, seguiu para o Rio de Janeiro.

Apesar de não precisar abrir caminho na base da pólvora, a esquadra espanhola tinha sofrido severas perdas antes de chegar à Ilha de Santa Catarina. Meses viajando até o destino fizeram com que a Espanha perdesse muitos barcos e tripulantes. Teriam chegado à região com 101 das embarcações que partiram em novembro [3]. Ainda assim, se enfrentassem os portugueses no mar, seriam uma centena contra uma dúzia – cerca de oito para um.

A prévia organização desse poderio imenso já tinha alimentado muita especulação entre espiões lusos. Para despistar, a Espanha havia espalhado a informação falsa que a esquadra enorme atacaria Argel, na África, onde os espanhóis tinham sofrido uma derrota.

Porém, anos antes, a Coroa Portuguesa já tinha reunido informações que apontavam como certa uma ofensiva gigantesca contra seus domínios no sul do Brasil Colonial – provavelmente seriam alvo a Ilha de Santa Catarina, a Colônia de Sacramento e o Rio Grande de São Pedro, talvez em uma ação simultânea.


A Coroa Espanhola amargava derrotas ao sul do novo continente e lutava ainda para manter seus domínios na região do Rio da Prata, onde hoje é o Uruguai. Tomar a Ilha de Santa Catarina era controlar um porto estratégico a caminho do sul. Por isso, as ordens do Rei Carlos III, da Espanha, para o comandante Dom Pedro Antonio de Cevallos Cortés y Calderón eram claras:


 

…el fin primario de vuestra comisión, hacer la guerra a los portugueses que hostilizan aquelles domínios mios.

Rei Carlos III
nas ordens enviadas ao comandante
espanhol Dom Pedro de Cevallos [3].


 

Cevallos tomou a ilha iniciando o desembarque pela Praia de Canasvieiras no dia 23 de fevereiro de 1777. Parte de seus homens, que somavam mais de 11 mil [3], marchou até a Bateria São Caetano – construída para proteger a Fortaleza de São José da Ponta Grossa pelo leste. Os espanhóis encontraram o local abandonado. Na manhã do dia seguinte, a bandeira espanhola foi hasteada na fortaleza, que já era chamada de Castillo del Punta Grossa [3].

 

Depois disso, uma a uma, as fortalezas foram se entregando ao controle espanhol. Em 26 de fevereiro, os comandados de Dom Pedro de Cevallos chegaram à Vila de Nossa Senhora de Desterro, que estava abandonada pelos moradores. A população havia se refugiado no continente. Os espanhóis declararam a ilha terra do rei da Espanha. Rezaram uma missa na catedral e saudaram Dom Pedro de Cevallos como um herói.

Somente após a assinatura do Tratado de Santo Idelfonso, em 1° de outubro de 1777, os portugueses retomaram o controle da Ilha de Santa Catarina não na base da guerra, mas da diplomacia. Em troca, entre outras coisas, deixavam de vez a Colônia de Sacramento para os espanhóis.

Muitos militares portugueses, incluindo o aliado Almirante Robert MacDouall, foram a julgamento por desobedecer ordens e não oferecer resistência ao poderio espanhol. Mas há especulações entre alguns autores que ceder a ilha foi uma estratégia portuguesa para evitar danos maiores por uma possível campanha prolongada contra os espanhóis em diferentes cidades.

MacDouall mesmo argumentou que sua principal missão era preservar a frota, que seria esmagada pela desproporção espanhola. Além disso, a real situação das tropas e da artilharia portuguesas na Ilha de Santa Catarina era desconhecida da corte, que imaginava um grande exército bem treinado. No entanto, faltavam homens e recursos.

A situação havia sido alertada anos antes pelo Marechal Antônio Carlos Furtado de Mendonça, comandante militar das forças da Ilha de Santa Catarina. Após a invasão, subjugado pelos espanhóis, o marechal passou a se referir a si mesmo como “cavalheiro infeliz” nas cartas à corte. Também foi julgado.

 

Para saber mais:
Material de acesso livre no Banco de Dados Internacional Sobre Fortificações – plataforma fortalezas.org

 

Fontes

[1] Essa designação está nos livros Santa Catarina 500: terra do Brasil, do professor Dalmo Vieira Filho, da Editora A Notícia; e Os espanhóis conquistam a Ilha de Santa Catarina: 1777, da professora Maria Bernardete Ramos Flores, da Editora da UFSC.

[2] Como no livro Os espanhóis conquistam a Ilha de Santa Catarina: 1777, da professora Maria Bernardete Ramos Flores, da Editora da UFSC, que traz o número total de 121 embarcações (117 que saíram da Espanha e outras três que se somaram ao grupo já na América). Já o artigo Acerca da Invasão Espanhola, de Carlos da Costa Pereira, fala em 115.

[3] Conforme o livro Os espanhóis conquistam a Ilha de Santa Catarina: 1777, da professora Maria Bernardete Ramos Flores, da Editora da UFSC.

[4] Esses números estão no livro Memórias das fortalezas – Ilha de Santa Catarina – no meio do caminho havia um Armando, de Celso Martins e Armando Gonzaga, da Editora Bernúncia.

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