Por que, há 42 anos, a UFSC assumiu a gestão das fortalezas da baía norte?
Há 42 anos (completados neste domingo), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) assumiu uma responsabilidade ímpar: gerir um patrimônio histórico que representa como poucos a formação do sul do Brasil. Em 21 de novembro de 1979, a UFSC recebeu oficialmente a responsabilidade da gestão, guarda e manutenção da Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim. Alguns anos depois, a universidade se tornaria gestora também da Fortaleza de São José da Ponta Grossa e da Fortaleza de Santo Antônio de Ratones. Mas por que a UFSC?
No final da década de 1960, a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim recebia as primeiras intervenções de restauro por conta dos esforços de alunos e professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) em conjunto com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O local não tinha mais atividade militar da Marinha do Brasil, mas era tombado como Patrimônio Histórico Nacional desde 1938.
Esse trabalho inicial começou a recuperar as primeiras construções arruinadas pelo tempo na Ilha de Anhatomirim. No entanto, havia a preocupação em eleger um gestor responsável para a fortaleza. Isso garantiria que os esforços para recuperação desse patrimônio não fossem perdidos.
Quem chamou a UFSC a assumir a gestão de Anhatomirim foi o empresário Armando Gonzaga, que também era oficial da reserva da Marinha e profundo defensor das fortificações da Ilha de Santa Catarina.
Gonzaga levou pessoalmente o então reitor da universidade, professor Caspar Erich Stemmer, em um passeio por Anhatomirim. Embora inicialmente cauteloso pelo tamanho da empreitada, Stemmer se convenceu. O processo foi levado ao Conselho Universitário, que recomendou a adoção da Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim pela universidade.
Realmente com ele [o convênio de cessão] a UFSC integra-se ao esforço catarinense em preservar sua memória cultural e vincula-se, pela utilização do patrimônio da Ilha de Santa Catarina, ao esforço de busca de conhecimentos reais e oportunos sobre a realidade, necessidade e possibilidade de nossa terra e nossa gente.
Professor Nereu do Vale Pereira, no relatório do
processo junto ao Conselho Universitário.
O convênio que cedeu a fortaleza à universidade foi assinado em 21 de novembro de 1979, entre a UFSC, a Marinha (que continuava proprietária, mas concedia o uso) e o IPHAN. Com ajuda do Governo do Estado, foi construído o primeiro trapiche na ilha e, em 1984, a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim estava aberta para receber visitantes.
(…) a universidade não poderia deixar de dedicar-se de corpo e alma à tarefa de manutenção desta ilha, com sua história e suas belezas.
Professor Caspar Erich Stemmer, reitor da UFSC à época,
em discurso de abertura da semana de estudos
O Mar e seus Recursos, evento realizado
na Ilha de Anhatomirim.
Em 1989, a UFSC criou o Projeto Fortalezas da Ilha de Santa Catarina – 250 anos na História Brasileira, que recebeu aporte financeiro da Fundação Banco do Brasil. Ao todo, foram investidos à época NCz$ 7.385.340,00 – a moeda brasileira era o Cruzado Novo. O montante equivalia a cerca de US$ 1 milhão.
Além de concluir algumas obras em Anhatomirim, foram recuperadas completamente a Fortaleza de São José da Ponta Grossa, na Praia do Forte, e a Fortaleza de Santo Antônio de Ratones, na baía norte, em Florianópolis. Ambas estavam em ruínas. Assim, já no início da década de 1990, a UFSC passou também a gerir essas fortificações.
Durante as obras na Fortaleza de Santo Antônio de Ratones, foram encontradas ossadas enterradas em covas rasas, provavelmente da época que o local foi utilizado como lazareto. Assista ao vídeo:
O então Projeto Fortalezas também realizou obras para evitar maior arruinamento da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba, em Palhoça. Porém, essa fortificação não está atualmente sob gestão da universidade.
Na década de 1990, com as três fortalezas da baía norte abertas à visitação, muitas entidades se envolveram com os monumentos. Foram promovidas diversas ações.
Embora o Projeto Fortalezas tenha se encerrado em 1992, o nome pegou. Até hoje, algumas pessoas ainda citam o Projeto Fortalezas como o responsável pelas fortificações. No entanto, o setor atual é a Coordenadoria das Fortalezas da Ilha de Santa Catarina (CFISC), vinculado à Secretaria de Cultura e Arte (SECARTE) da UFSC.
As três fortalezas da baía norte, conhecidas como Triângulo Defensivo, se tornaram, com o passar do tempo, um atrativo turístico, cultural e histórico. Cerca de 200 mil pessoas visitam as fortificações por ano. Atualmente, no entanto, as fortalezas estão fechadas em decorrência da pandemia da COVID-19 e em consequência de novas obras em andamento em duas delas.
Novo restauro e requalificação
Atualmente, a Fortaleza de São José da Ponta Grossa e a Fortaleza de Santo Antônio de Ratones passam por novas obras de restauração e requalificação. As fortificações estão recebendo novos equipamentos e soluções de acessibilidade. Haverá ainda renovação das exposições nos monumentos.
As obras, que ainda estão em andamento, são custeadas pelo Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, com projetos, contratos, gestão e fiscalização da superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em Santa Catarina. Servidores da CFISC acompanham de perto o andamento das obras e dão apoio logístico.
Candidatura a Patrimônio Mundial
Paralelamente às obras nas duas fortificações e às ações de requalificação, a UFSC participa do comitê técnico catarinense para a Candidatura a Patrimônio Mundial do Conjunto de Fortificações Brasileiras. A Fortaleza de Santo Antônio de Ratones e a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim fazem parte da lista de 19 fortificações do Brasil que podem se tornar Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
O mote para se tornarem Patrimônio Mundial diz respeito à participação dessas fortalezas na construção das fronteiras do Brasil – um país de dimensões continentais. As representantes do sul estão na lista indicativa pois foram construídas no século XVIII como forma de manter o controle da Coroa Portuguesa na região. Hoje, elas são patrimônios físicos ainda preservados da história colonial de formação do nosso país em Santa Catarina.