Dia da Rendeira e do Rendeiro: o que essa atividade tem a ver com as fortalezas?

21/10/2021 11:04

A renda de bilro é uma atividade tradicional lembrada por uma data comemorativa em Florianópolis: 21 de outubro é o Dia Municipal da Rendeira e do Rendeiro. A tradição remonta aos imigrantes que vieram, na maior parte, do Arquipélago dos Açores no século XVIII. Um contingente de milhares de colonos rumou para o sul da América, incentivado (e em parte financiado) pela Coroa Portuguesa a partir de 1747. O objetivo era ocupar e defender o território da Ilha de Santa Catarina, que estava ganhando as primeiras fortalezas.

Precisava-se de gente para guarnecer as fortificações, para alimentar as tropas ou simplesmente para ocupar o território, evitando que outros se estabelecessem. Os colonos e colonas vieram e deram nova identidade à região, trazendo na bagagem cultural sua habilidade de produzir rendas, manipulando pequenas peças de madeira chamadas bilros.

Peças de madeira (bilros) e a renda

Mas esta história começa um pouco antes. Em meio às disputas territoriais com a Espanha no sul da América no século XVIII, a Coroa Portuguesa decidiu proteger a Ilha de Santa Catarina. A região, com características de um porto natural para conserto de embarcações e reabastecimento de tropas, oferecia vantagens para a retaguarda nos enfrentamentos entre as duas nações no Rio da Prata.

Em 1738, foi criada a Capitania da Ilha de Santa Catarina e nomeado como governador o Brigadeiro José da Silva Paes. No ano seguinte, por ordem do rei e com projetos do brigadeiro, a Ilha de Santa Catarina começou a ser fortificada, ou seja, foi ganhando pontos estratégicos para a defesa militar.

Silva Paes começou a concretizar seu projeto defensivo para a região pela Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, cujas obras se iniciaram em 1739. No ano seguinte, foi a vez de começar a Fortaleza de São José da Ponta Grossa e a Fortaleza de Santo Antônio de Ratones. Essas três primeiras ficam na baía norte, formando o que ficou conhecido como Triângulo Defensivo. Em 1742, tiveram início as obras da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba, na baía sul.

Embora a estratégia do brigadeiro começasse a mudar a segurança da posse lusa da Ilha de Santa Catarina, faltava um elemento importante: gente! A então Vila de Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, era apenas um povoado.

Até havia uma guarnição militar que o próprio Silva Paes destacou para a região. Porém, somando todos, ainda havia pouca gente. O brigadeiro escreveu ao rei explicando que faltavam pessoas para viabilizar a posse da região e garantir o funcionamento das fortalezas.


…não bastão (sic) fortificações sem haver gente que as guarneça…

Brigadeiro José da Silva Paes, em carta ao rei sobre
a falta de pessoal na região da Ilha de Santa Catarina [1].


A Coroa Portuguesa passou a incentivar a emigração, garantindo transporte e prometendo incentivos, como terra para cultivo e ferramentas, para quem embarcasse para o sul do Brasil. Foram lançados editais de incentivo principalmente nas ilhas do Arquipélago dos Açores, que sofriam com superpopulação e falta de trabalho para todos.

Entre 1747 e 1756, estima-se que mais de 6 mil colonos dos Açores e da Madeira [2] vieram para se estabelecer onde hoje são os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Vila de Nossa Senhora do Desterro com a catedral ao fundo. Essa pintura ilustra um relato de 1803 [3]


A Coroa Portuguesa deu preferência para o transporte de casais cujos homens estivessem aptos ao trabalho e as mulheres soubessem tecer e fazer rendas. Silva Paes pessoalmente recebeu os primeiros contingentes. Os colonos desembarcaram e foram ocupando a região, mas não trouxeram na bagagem apenas a força do trabalho braçal.

Os açorianos – e os madeirenses em menor escala – mudaram a identidade da região para sempre, estabelecendo por aqui desde um jeito de falar bem característicos até uma série de atividades culturais, como a renda de bilro, homenageada neste 21 de outubro.


As mulheres voltadas para os diferentes trabalhos domésticos ocupam-se de fazer rendas que elas trabalham com gosto, e a limpar o algodão que elas fiam nos fusos, com os quais elas fazem roupas para toda a família.

Louis Isidore Duperrey, explorador francês, em relato de sua
passagem pela região da Ilha de Santa Catarina, em outubro de 1822 [4].


 

Para saber mais:
Material de acesso livre no Banco de Dados Internacional Sobre Fortificações – plataforma fortalezas.org

Vídeo do tour virtual pela Fortaleza de São José da Ponta Grossa feito em parceria com Curso Técnico em Guia de Turismo do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC):

  • Açorianos chegaram trazendo sua cultura (Episódio 6)

 

Fontes

[1] Trecho retirado do livro Santa Catarina 500: terra do Brasil, do professor Dalmo Vieira Filho, da Editora A Notícia, de 2001.

[2] Esse número está no livro Povoadores da Fronteira. Os casais açorianos rumo ao Sul do Brasil, da professora Maria Bernardete Ramos Flores, da Editora da UFSC, de 2000.

[3] Pintura que consta do relato de Adam Johann von Krusenstern, de 1803, retirado do livro Ilha de Santa Catarina, relato de viajantes estrangeiros nos Séculos XVIII e XIX, organizado por Martim Adonso Palma de Haro, da Editora da UFSC e da Editora Lunardelli, de 1990. 

[4] Trecho retirado do livro Ilha de Santa Catarina, relato de viajantes estrangeiros nos Séculos XVIII e XIX, organizado por Martim Adonso Palma de Haro, da Editora da UFSC e da Editora Lunardelli, de 1990. 

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