Halloween: a lenda do pé de araçá que verte sangue em Anhatomirim
Não se sabe quem exatamente morreu ali. Não se sabe de quem seria o sangue que supostamente corre pelos galhos e caule desta árvore. Na verdade, não se tem certeza de que alguém tenha realmente morrido ali. Mas se sabe que a dúvida e a curiosidade alimentam o que se fala sobre o pé de araçá mais famoso da história das fortificações da Ilha de Santa Catarina: a Árvore dos Enforcados! Neste Halloween, recuperamos essa lenda da Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim.
A Árvore dos Enforcados alimenta muitas histórias sobre a Ilha de Anhatomirim[1]. Por vezes, os relatos populares dão conta de que foram mortos ali parte dos revoltosos contrários ao governo do Marechal Floriano Peixoto no final do século XIX, nas primeiras décadas da república no Brasil.
De fato, em 1894, a Ilha de Anhatomirim serviu de prisão e local de execuções sumárias daqueles que aderiram à Revolução Federalista e à Revolta da Armada – movimentos contrários ao governo derrotados naquele ano.
Depois que Floriano Peixoto retomou o controle da Ilha de Santa Catarina, esses revolucionários foram perseguidos. Muitos foram levados presos para a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim e executados sumariamente, sem qualquer julgamento ou defesa.
Há muitos relatos de fuzilamentos, incluindo testemunhas oculares, mas também há alguns registros que falam em enforcamentos[2].
Embora não se conheça o local exato das execuções, a Árvore dos Enforcados, um velho araçazeiro localizado no lado sudeste da ilha, teria sido, segundo a tradição oral, o local de enforcamento e fuzilamento de dezenas de prisioneiros. Ao contrário do fuzilamento, o enforcamento era considerado uma morte sem honra, destinada a criminosos comuns.
Roberto Tonera, arquiteto
especializado na história das fortalezas.[3]
É difícil hoje precisar onde teriam ocorrido os enforcamentos, mas a imaginação popular fez sua parte. A Árvore dos Enforcados é ainda hoje um ponto que gera curiosidade aos visitantes da ilha.
E dizem que (…) aquele pé de araçá, quando furava, dele corria sangue. Isso é estória[4] mesmo, que eu acho que não tem sentido, mas o pessoal conta, tu fica acreditando. Na época, a gente assim gurizão ficava ouvindo nas venda (sic), tu ficavas assim: pô… como é que pode! E aquilo dava medo. A gente tinha medo de ir pra lá. Depois disso nós constatamos que nada disso acontece.
Relato anônimo publicado na página 59 do
livro Fortalezas Catarinenses: a estória[4] contada pelo povo [1]
No início da década de 1980, os responsáveis pela jardinagem na Ilha de Anhatomirim cercaram uma área para plantar algumas espécies da flora nativa. Coincidentemente, a Árvore dos Enforcados ficou isolada. Foi o suficiente para que corresse um boato: finalmente alguém tinha tomado providência e cercado a área mais perigosa de Anhatomirim, evitando que o público chegasse perto da árvore maldita! [1]
São essas histórias que fazem a Ilha de Santa Catarina uma ilha de mágica, terra cercada de fascínios por todos os lados. Em cada entranha, uma outra lenda, uma versão nova para o fato antigo. Assim, de pai para filho, passam-se estórias[4]. E os filhos desta terra sem igual propagam mistérios da vida, eternizando a terra onde nasceram. Sensacionais crendices populares, que a tornam, dia após dia, verdadeiramente a Ilha da Magia e da Fantasia.
Carlos Eduardo Uchôa, nas páginas 59 e 60 do
livro Fortalezas Catarinenses: a estória[4] contada pelo povo
Fontes & notas
[1] Uma boa fonte de relatos é o livro Fortalezas Catarinenses: a estória contada pelo povo, de Carlos Eduardo Uchôa, editado pela Imprensa Universitária da UFSC, com apoio Fundação Banco do Brasil, em 1992.
[2] Conforme relatado no livro Memórias das Fortalezas – Ilha de Santa Catarina – No meio do caminho havia um Armando, de Celso Martins e Armando Luiz Gonzaga, da Bernúncia Editora, de 2017.
[3] Artigo A Tragédia de Desterro, publicado na edição n° 9 da revista História Viva, da Editora Duetto, em julho de 2004. Disponível no Banco de Dados Internacional sobre Fortificações – fortalezas.org.
[4] A palavra “estória” está em desuso. Era usada antes para diferenciar relatos fantasiosos demais ou inventados de histórias reais. Aqui, foi mantida a palavra por constar do título do livro e da transcrição de alguns relatos.