No Dia de Santo Antônio, conheça a história de união que salvou uma fortaleza há 40 anos

13/06/2022 10:36

Na década de 1980, mutirão de limpeza revelou a rampa de acesso da fortificação, que hoje passa por novo restauro. Fotos: Edinice Mei Silva/fortalezas.org e Jaci Valdemiro Nunes

Há 40 anos, um grupo de cerca de 50 pessoas[1] arregaçou as mangas e mudou a história da Fortaleza de Santo Antônio de Ratones, na baía norte, em Florianópolis. Eles responderam a um chamado que organizou mutirões de limpeza da vegetação que encobria e danificava o patrimônio histórico na década de 1980. A Operação Santo Antônio, uma ação que uniu poder público e sociedade, retirou do esquecimento esse patrimônio histórico nacional. Neste dia 13 de junho, dia de homenagem ao santo que batiza a fortificação, a Coordenadoria das Fortalezas da Ilha de Santa Catarina (CFISC) relembra essa história.

A Operação Limpeza do Forte Santo Antônio – ou somente Operação Santo Antônio – tinha propaganda na TV e jornais para chamar os voluntários. Os principais articuladores da ação foram Armando Luiz Gonzaga, defensor do patrimônio histórico catarinense, empresário, oficial reformado da Marinha e ex-diretor de Turismo do Estado de Santa Catarina; a professora Edinice Mei Silva, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que bateu algumas das fotos que estão nesta página; e o professor e arquiteto Dalmo Vieira Filho, também da UFSC, mas que na época representava a Subsecretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)[3].

Peça publicitária divulgada à época. Imagem retirada de [3]

Em setembro de 1982, os primeiros voluntários desembarcaram na Ilha de Ratones Grande, com instrumentos para começar o trabalho. Estavam orientados, pelo professor Dalmo Vieira, a evitarem forçar as árvores ou as raízes mais presas às construções. Ele temia que uma ação mais entusiasmada de algum voluntário acabasse por danificar a já abalada fortificação. O resultado do mutirão foi revelando surpresas.

Voluntários desembarcam na Ilha de Ratones Grande em 1982. Foto: Ulisses Lacava/SPHAN

 


Uma das descobertas mais interessantes desse trabalho de limpeza foi justamente a existência da rampa de acesso e o fosso, que se imaginava totalmente aterrado…

Dalmo Vieira Filho, arquiteto
e professor da UFSC, em declaração ao
boletim informativo n° 26 da SPHAN, em 1983.
Ver fotos no topo da página.


Para Armando Gonzaga, era impressionante como a vegetação tinha tomado a Ilha de Ratones Grande. Ele declarou à época que, a cinco metros de distância do desembarque, não era possível avistar a fortaleza [2].

Antes desse esforço de limpeza, na década de 1960, até havia ocorrido algo parecido. O historiador Walter Fernando Piazza organizou o esforço de um grupo de presidiários liberados do cárcere para limpar Ratones [4].

Trabalho de limpeza em frente à Casa da Palamenta entre 1982 e 1983. Foto: Edinice Mei Silva/fortaleza.org

Naquele 1982, no entanto, as coisas eram diferentes. A Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, em Governador Celso Ramos, recebia laboratórios da UFSC e se preparava para abrir à visitação pública[2].

Em 1979, após as primeiras intervenções de restauro feitas por professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pela então Subsecretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), a UFSC tinha assumido a responsabilidade por Anhatomirim. A retomada das fortalezas já era um assunto em pauta.

Armando Gonzaga conta [2] que foi o arquiteto Cyro Correa de Lyra – um dos responsáveis pelas primeiras obras de recuperação de algumas fortificações da Ilha de Santa Catarina – quem o alertou para a necessidade do cuidado com Ratones.

Trecho do boletim n° 26 da SPHAN de 1983 [2]

Naquela época, a Ilha de Ratones Grande estava sob responsabilidade da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), órgão federal criado em 1973, que pretendia instalar uma estação ecológica no local. Mas o chamamento atraiu também a Marinha do Brasil – que emprestou embarcações – e a UFSC, que cedeu ferramentas para o trabalho [2]. “O importante é que a comunidade deu o empurrão e as autoridades responderam”, comentou Gonzaga à época [2].

O trabalho no local ganhou volume mesmo graças ao esforço dos voluntários. O boletim n° 26 da SPHAN de 1983 dá conta de que cerca de 50 pessoas trabalharam na atividade de limpeza da Ilha de Ratones Grande. O esforço se prolongou de 1982 até o ano seguinte, 1983. Ao todo, foram 52 sábados dedicados aos mutirões[3].

Voluntários do mutirão em frente à murada de Santo Antônio de Ratones na década de 1980. Foto: Edinice Mei Silva/fortaleza.org

Houve algumas outras campanhas na década de 1980 para auxiliar a angariar fundos para manutenção da fortaleza [2]. Na década de 1990, a UFSC conseguiu recursos junto à Fundação Banco do Brasil e incluiu as últimas obras para restauro de Ratones no Projeto Fortalezas Ilha de Santa Catarina – 250 anos na História Brasileira.

O projeto concluiu a restauração de edifícios em Anhatomirim, recuperou a Fortaleza de São José da Ponta Grossa, fez obras na Fortaleza de Santo Antônio de Ratones e consolidou as ruínas da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba.

Na década de 1990, a UFSC assumiu a gestão também das outras fortalezas. Hoje, estão sob responsabilidade da universidade: Anhatomirim, Ratones e São José da Ponta Grossa.

Atualmente, a Fortaleza de Santo Antônio de Ratones passa por novas obras de restauração e requalificação. Foto: Jaci Valdemiro Nunes

Atualmente, a Fortaleza de Santo Antônio de Ratones passa por novas obras de restauração e requalificação. Os projetos são do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) – órgão que tem hoje às responsabilidades que antes eram da SPHAN. Os recursos são do Fundo Nacional dos Direitos Difusos.

De toda a história, fica a lição de valorização do esforço feito há 40 anos, que iniciou todo o processo de recuperação da Fortaleza de Santo Antônio de Ratones. Nas palavras de seu principal idealizador:


 

E isso tudo serve de exemplo para as outras pessoas, para que elas comecem a sentir que esse é um trabalho importante: preservar e não apenas destruir. Esse é o sentido maior.

Armando Luiz Gonzaga, empresário, oficial reformado da
Marinha do Brasil, defensor do patrimônio histórico
catarinense, falecido em 2016. [2].


Fontes & notas

[1] O número de 50 participantes é a soma dos primeiros a participarem do mutirão com o número de pessoas que se juntou à atividade após os primeiros trabalhos, de acordo com o boletim informativo n° 26 da Subsecretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Por vezes, alguns relatos falam em 40 voluntários, como em [3], mas não fazem a distinção do número total de participantes e dos primeiros envolvidos.

[2] De acordo com relato do boletim informativo n° 26 da Subsecretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN).

[3] Conforme o livro Memórias das Fortalezas – Ilha de Santa Catarina – No meio do caminho havia um Armando, de Celso Martins e Armando Luiz Gonzaga, da Bernúncia Editora.

[4] Segundo verbete Fortaleza de Santo Antônio de Ratones no Banco de Dados Internacional sobre fortificações – fortalezas.org.

 

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